terça-feira, maio 29, 2007

Os Gnósticos Britânicos

















(Com leitores como o HO como é que alguém pode perder o vício de blogar)

Para Oakeshott a sociedade funda-se em convenções, convenções que são insondáveis e impenetráveis, não podendo ser analisadas com um qualquer critério humano externo. A religião não tem, por isso, qualquer validade na determinação do que é justo ou injusto, sendo matéria do foro privado. O homem não era mata-frades, defendia apenas que a religião era matéria irrelevante politicamente...
Daí passa a considerar que a existência da lei é determinada pela convencionalidade e pela capacidade da lei de obter elementos que são independentes da esfera transcendente. O problema que isto gera é fundamental. Se os bens políticos estão desligados de uma concepção mais elevada apresentam-se como constituídos autonomamente, possuindo uma estrutura própria, desligadas da grande estrutura do Ser.
O problema do cepticismo é que este resvala para o utilitarismo, uma estranha religião do funcional, e toda a estrutura do conservadorismo britânico, que é uma corruptela e uma amputação da obra de Burke, incorre nessa mesma falha. O utilitarismo, é uma auto-racionalidade do político, onde não existe qualquer espaço para o “dever ser”. Na impossibilidade de existência de uma fonte do bem, o que importa é colocar a sociedade em funcionamento. Mas esse funcionamento, uma vez que não está relacionado com uma norma exterior, é deixado em roda livre. É por isso que para Oakeshott não há uma boa razão para abolir a escravatura ou para evitar uma tradição injusta... Porque não existem princípios comunitários e vinculativos para que se defina algo como mau. E se depende apenas das pessoas e das suas concepções privadas a formação da lei, de que forma se pode impedir uma lei que defenda o socialismo, o nazismo, ou outra ideologia qualquer. O imobilismo da “conservative disposition” é um aparato conceptual muito débil.
Oakeshott não é anti-comunidade. É a favor de uma comunidade ilimitada, mas que pela convencionalidade se tornou liberal (há aqui muitas semelhanças com o vitorianismo de Hayek, que funda a sociedade numa convenção sem carácter imperativo). Todas as tradições que não têm uma norma externa por que possam ser analisadas acabam por se tornar totalitárias.
O problema do cepticismo é, em termos voegelinianos, que este é um racionalismo fechado à realidade. Só aceita uma racionalidade que ele próprio induziu e que se funda numa necessidade de prova que é impossível. É uma cegueira auto-induzida, que a ser levada a sério, implicaria a descrença na própria existência humana. Nunca ninguém provou que as imagens que vejo de meus semelhantes corresponde a seres com existência própria semelhante à minha. O que é que acontece se eu deixar de presumir que são meus semelhantes e passar a ser céptico a esse respeito?
O problema de Oakeshott não era ser individualista. O problema é considerar, como Hume, que os fundamentos da sociedade são arbitrários, tanto os de hoje, como os de amanhã. E se não há mais nada a esperar da política para além da convencionalidade, porque é que hei de estar vinculado por algo que não decidi?

PS. No que respeita à citação de Burke ela representa o ódio à ideologia e à forma como as ideias autoinduzidas do transcendente era aplicada pelos “dissenters”. Eles faziam política totalitária ao achar que os princípios religiosos deveriam ser aplicados, sem mais, à política, não compreendendo a existência de duas esferas separadas de uma mesma realidade, com métodos intelectivos e finalidades diferentes.

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