segunda-feira, abril 24, 2006

Uma Auto-Estrada Para Damasco? (I)

Nunca fui de esquerda. O mais perto que estive disso foi um tempo de cepticismo, de enorme desilusão com a Igreja, que correspondeu em larga medida à minha vida adolescente. À medida que surgiam os meus primeiros pensamentos autónomos, (e surgiam com confiança, que acabavam até por fazer sentido!) ia sendo abandonado pelas Verdades da Igreja, por uma mezcla titubeante de modernismo, moralidade e afirmação de anti-relativismo. Foi essa Igreja que me abandonou, por ter desertado de sua essência...
Eu só a segui na deserção.

Demorou tempo até que voltasse a crer... O cepticismo é uma existência terrível. É a mais abjecta mentira do Homem. O Homem finge não crer, quando não faz outra coisa! Passa a acreditar na banalidade, numa soma de todos os disparates. Se o céptico o fosse realmente não falaria com ninguém, pois tudo seria susceptível de ser uma imagem falsa, e a própria linguagem seria um instrumento do Erro...
A enorme falsidade de que a estrutura metafísica é irrelevante na definição do “político” é facilmente verificável nestes casos.
O céptico tem uma concepção do Bem, infundamentada, mas real. Nada do que possa dizer pode justificar a sua preferência por um tipo de existência. E, contudo, crê!
Esta estranha mentira pode ser traçada à posição panteísta-democrática de Espinoza. Suscita a Dúvida Fundamental, destruíndo as bases de qualquer fundamentação, mas alia ao indivíduo uma característica mágica de obtenção de verdade, uma imanência.
A necessidade que Espinoza teve em relacionar a democracia e a verdade, em fugir a uma pós-modernidade precoce, revela bem a impossibilidade de uma comunidade alheia à verdade. Ideia prosseguida por Rousseau na sua Vontade Geral e na identificação desta com a Verdade Divina, este posicionamento precede a divinização da comunidade hobbesiana, o nacionalismo romântico alemão e o comunismo!

É por esse facto que até o niilista mais radical tem um ideal...
Por isso se pergunta a alguém se determinado evento é justo, se tal sociedade é justa, se tal acção é conforme à justiça, há sempre um palpite, uma achega, uma ideia superior à vontade, ou uma vontade que conduz a algo superior.

A sociedade sem metafísica é uma impossibilidade maior que a sociedade sem classes.
Uma mentira utópica sem precedentes...


Quem se interessar pela questão pode ler este “Are Non Theocratic Regimes Possible?” de Rémi Brague.

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