quarta-feira, setembro 07, 2005

Uma Gaia Ciência


O custos da substituição da religião pela ciência continuam a pairar sobre as nossas cabeças. As verdades científicas de ontem são as falsidades de hoje. Fartámo-nos de ouvir falar das fases de desenvolvimento do feto como se verdades absolutas se tratassem. Invariáveis, estas leis fugiriam à verdadeira lei da natureza do contingente que se caracteriza por um infindável número de excepções, alterações e mutações. Os sumos-sacerdotes desta forma religiosa quiseram fazer crer que haviam penetrado os segredos da vida, numa revelação simples... O feto desenvolve-se de modo X, à semana Y!
Ontem mostraram-lhes que estavam errados.
Não estão errados apenas os que consideravam que o nascituro abre os olhos às 24 semanas! Estão errados todos os que se pretendem captores de um raciocínio monolítico inescapável... Mesmo os que passarem a afirmar que o feto abre os olhos às 18 semanas incorrem num erro de generalização pernicioso. Não poderá o feto do documentário do National Geographic ser a excepção?
A ciência é um elemento fundamental de qualquer sociedade, mas, como qualquer prática, não pode existir sem uma tradição filosófica que a enquadre. Quando se arvora ela própria em tradição escatológica intramundana (acreditando como Galileu que toda a explicação do mundo se encontra apenas no mundo físico, à boa moda cartesiana) não terá redenção possível e só poderá lançar a sociedade no despotismo da existência sem critérios.
Tomemos como exemplo este artigo de Peter Singer, que apresenta como argumento central dois erros básicos. Um deles é científico, o outro é mágico.
Em “The Sanctity of Life” Singer proclama que uma experiência conduzida por cientistas sul-coreanos acaba de refutar a existência de qualquer forma de santidade nas células reprodutivas humanas e portanto a ausência de santidade da reprodução e da vida humana.
O facto de se terem reproduzido células estaminais a partir da fecundação de um ovo e de uma célula não-reprodutiva resulta na suposição de Singer de que não existe uma diferença entre as células reprodutivas e as outras, o que permitiria abortos e experiências com fetos e células reprodutivas com a mesma leveza com que se realizam a células do fígado, unhas ou cabelos.
Singer esquece estranhamente a existência de fenómenos variáveis na natureza que, de maneira não-aleatória ocupam funções de outros, modificando a sua substância essencial, tornando-se outros[1]. O erro de Singer constitui em retirar o sentido do sujeito da estrutura que a enforma! As células reprodutivas não são, como pretende fazer parecer, o espermatozóide e o ovo, mas todas as células em situação de gerar uma nova vida. A falácia de Singer é tomar o objecto como isolado e não no seu sentido interrelacional, a sua ordem e função na estrutura das coisas existentes.
O argumento encerra ainda uma problemática mais séria.
De que modo pode a ciência intramundana (saber provisório e que justifica os fenómenos físicos por outros fenómenos físicos) reflectir sobre questões de santidade? Será que existe na dita ciência uma concepção superior à que proclama? Se a ciência positivista exclui a existência de objectos fora do seu escopo é porque dispõe de alguma capacidade exterior às suas capacidades de aferir o que é verdadeiro e falso...
Magia!


[1] Alguns peixes-macho com a morte dos peixes-fêmea ganham órgãos reprodutivos femininos, algumas células do corpo humano adquirem as propriedades de outras que se encontram em falta.

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