Corporativismo, Distributismo e Igualdade
É curioso que A Casa de Sarto publique nestes dias um texto sobre o Distributismo. Parece-me que existem poucas ideias político-económicas verdadeiramente humanas nos dias que correm e por isso é absolutamente louvável a difusão dessa poiética Chesterbelloquiana. Mais importante quando se compreende que a estrutura política e social portuguesa está absolutamente esgotada
Há ideias fundamentais que ressaltam no texto publicado pelo Rafael Castela Santos, que são centrais nos nossos dias e que não se enquadram apenas no sentido das doutrinas católicas, mas em todo o pensamento das “direitas”.
— A Superação Filosófica —
Muitos vêem na direita a apologia da desigualdade. É uma ideia falsa, mas compreensível. Ao passo que a esquerda[1], a força desagregadora da sociedade, luta por uma ideia de igualdade para coisas que não são iguais, precisamente por haver destruído o critério (o ponto central de onde ver aquilo que de si está afastado), a direita (ou o que deveria ser a direita) luta pela diferença, mas não por uma diferença absoluta. A direita deve lutar por justiça, que não passa pela igualitarização do todo, como a esquerda pretende, dando o mesmo ao que contribui com 1 e ao que contribui com dez[2], mas dando proporcionalmente à contribuição. Neste ponto o fundamental é encontrar o critério e esse é o papel do filósofo, em auxílio do político.
O Filósofo viu o problema com profética limpidez no Livro IV da Política. De um lado encontram-se os extremados defensores da Liberdade, que reclamam para si os direitos de posse da coisa pública para atacar os ricos, igualitarizando (quer moral, quer materialmente), servindo-se da riqueza das classes abastadas para sobreviver…
No outro lado está a “classe dos ricos”, que defende o direito à sua propriedade, tomando a posse como valor absoluto, considerando-se desobrigada perante os restantes membros da sua “polis”, sendo proprietária, pelo seu contributo, da Pólis.
Poucas análises serão tão actuais quanto esta reflexão de há vinte e três séculos. Poucas terão traçado tão perfeitamente o sentido da época de decadência da “polis”…
Como viu Aristóteles, o impasse que ocorre nas sociedades centradas entre estas duas perspectivas de sociedade, inconciliáveis, só pode ser resolvido pelo filósofo, na sua acção revitalizadora dos princípios. Toda a Justiça é uma “relação de igualdade”, o critério e aplicação que permitem a distinção valorativa dos objectos. Toda a busca política deve ser essa.
Esse foi o papel de Chesterton e Belloc.
—Uma Terceira Posição—
A solução de Chesterton e Belloc foi uma posição de recrudescimento do critério, do fundamento. Essa via verdadeira do reavivar da Tradição opõe-se à mera vontade de uns ou outros, nem sequer tentando arranjar compromissos (são loucos perigosos os que tentam arranjar compromissos onde eles não são possíveis, como observamos nas amálgamas de Partidos Populares que encontramos pelos países da Europa, grandes responsáveis pela vitória do socialismo nesta parte do globo) entre ambas as partes. Pretende um olhar para o caminho e não para os desvios…
Ao invés de pretender prosseguir o caminho trilhando os caminhos do populismo-nacional-social (como Khadaffi ou José António, que muitas vezes se entrecruzam com o socialismo, a grande doutrina populista do século XX), ou do conservadorismo-populista (de Disraeli, do século XIX, de de Gaulle), prossegue nos difíceis caminhos da Tradição, do intemporal, da Filosofia Perene.
Tanto ataca o liberalismo e o privatismo elevado à categoria de religião, como ataca a concepção de totalitária de domínio público, que se consagra numa sociedade de massas, no centralismo absolutista, no indivíduo vazio e submetido à ditadura do déspota (maquiavélico, hobbesiano, nietzscheano, schmitiano), ou do proletariado…
Ataca-os de forma a remover a ditadura do “homem-vazio”, reinserindo-o na tradição que permite o “dever ser”, que preenche o homem com uma concepção superior de estruturação e ordenação do mundo.
— Organicismo —
A preocupação em reinfundir os princípios orgânicos da sociedade é um princípio primordial na teoria distributista. O renascimento dos corpos intermédios (associações de moradores, mutualistas, corporações profissionais, etc.) é pedra-de-toque do restabelecimento de um pensamento anti-igualitário, não centralizado.
Como Evola diagnosticou com propósito, o igualitarismo massificante foi culminado pela destruição da estrutura descentralizada da Idade Média. Acrescentamos nós que esse ataque é anterior à Revolução Francesa (que não foi mais do que a consagração completa das ideias que já grassavam em França) e que provém da supremacia dos Pombal, Richelieu, Cromwell e da divinização da “razão de Estado”, sucedâneo do maquiavelismo.
Uma sociedade saudável passa pela aceitação das diferenças das diferentes parte das sociedades, pela especificidade da sua função para o todo. Encontra-se aí precisamente o inverso da nossa sociedade, em que o “Estado todo-poderoso” estrutura todos os organismos, mesmo os mais insignificantes. Veja-se, por exemplo, o combate da pseudo-democracia abrilina em ataque cerrado ao Partido Comunista Português por fazer “eleições de braço-no-ar”. A seguir obrigarão todos os partidos a realizar primárias… Depois a que os líderes dos partidos sejam eleitos por toda a população!
É o Estado quem manda nos partidos, o que corresponde a uma limitação da escolha, não só limitando as ameaças ao sistema, mas a qualquer concepção divergente…
—O Poder contra o poder—
O Distributismo é também uma reafirmação do político contra o económico. É uma afirmação do que temos vindo aqui reiteradamente a afirmar, o predomínio da justiça sobre o privatismo procedimentalista e o conceito de “fairness” como fuga do político à dificuldade da escolha entre certo e errado, entre moral e imoral, entre Bem e Mal.
O Liberalismo exime-se de emitir um juízo sobre a acumulação de riqueza e sobre a distribuição da mesma, porque não considera que exista uma ideia superveniente que a regule, que estruture o conjunto de relações privadas dos indivíduos.
O Distributismo afirma a preferência pela propriedade (especialmente a terra) fraccionada, uma forma de responsabilizar e dar à sociedade a possibilidade de uma produção real, não fundada na especulação, mas na utilidade directa do producto.
A propriedade é um meio e não um fim, estando por isso subordinada ao Bem da comunidade política, na linha do afirmado pelo pensamento conservador (em sentido lato, mas não liberal).
—Desafios—
O Distributismo não é, contudo, um mar de rosas.
Primeiro porque o poder central está inquinado pelo germe do igualitarismo. Por isso é muito difícil estabelecer desigualdades forais entre instituições, ainda que umas funcionem bem e outras mal, umas respondam às necessidades e outras não. A dificuldade é ressurgir o espírito ageométrico dos “forais”, das liberdades que eram privilégio e recompensa…
Desafio mais interessante e custoso quando a realidade se apresenta como um deserto, incapaz de florescer qualquer ideia que não seja total. Qualquer sindicato ou união laboral se encontra impregnada de uma concepção total da sociedade. Ao invés de apresentar e defender os interesses corporativos, defendem uma concepção política, como se de partidos se tratassem (sabemos todos os partidos que estão por detrás dos nossos sindicatos). Assim vemos os sindicatos a defender a diminuição do desemprego, a aceitação de imigrantes, ou a defender um direito abstracto à reforma e a subsídios públicos…
Por outro lado existe a necessidade de conseguir equilibrar o progresso material com a vida plena de valores. O ruralismo a que Chesterton e Belloc aludiam tem de ser repensado à luz da corrida material em que vivemos, compreendendo que só uma sociedade altamente desenvolvida em termos técnicos pode sobreviver neste mundo.
São desafios para uma Justiça no século XXI.
_______________________________________
[1] Utilizo esta forma em sentido muito lato, uma vez que compreendo nela os bloquistas, os sartreanos, os heiddeggerianos (de esquerda ou direita), os nihilistas…
[2] Justiça aritmética.
<< Home