sexta-feira, maio 05, 2006

Dos Mortos e Dos Vivos


Nos últimos dias tenho vindo a ler algumas inquietações em relação à Democracia e sua relação com a Monarquia. Como escrevi atrás, afirmar a existência de uma Monarquia Democrática é um contra-senso. Um elemento predominará sempre!
Na questão do Integralismo é de particular gravidade a capitulação perante um ideário que lhe é estranho e antitético.

O Professor António José de Brito observou magistralmente o problema na sua crítica em duas partes (I, II) de “Filhos de Ramires”, obra do neo-integralista José Manuel Alves Quintas, sob supervisão, acredito que atentíssima, do historiador do regime Fernando Rosas. A escolha do orientador não será inocente e suponho que se insira no habitual esquema (espécie de “test act”) de legitimação e profissão de fé anti-fascista.

Não é isso que me importa, de momento.
O que me parece mais importante é a forma como na crítica ao livro o Professor AJB diagnosticou os problemas essenciais da posição “neo-integralista”.
Primeiramente porque a ciência do Mestre Alves Quintas apresenta uma selectividade pouco selectiva. Na ausência de um critério rigoroso de definição do Integralismo encontra-se a pertença ao movimento segundo um critério “paroquial” a que o Professor AJB chama de “igrejinha”. Em vez de uma sucessão nas ideias, a sucessão do Integralismo de Alves Quintas é uma questão de adesão grupal (como identifica AJB na questão do Integralismo de João Ameal).
A incapacidade de encontrar uma essência no movimento revela-se na própria tese do autor dos “Filhos”, ao não encontrar um corte fundamental entre o integralismo e a doutrina monárquica pós-cristã (neo-integralista) que lhe sucedeu.

O absurdo desta posição é sustentado pela destruição do tomismo no seio do Integralismo, a que Quintas não dá qualquer atenção e a sua substituição pelo neo-tomismo de Maritain. O fundamento desta destruturação não é analisado e parece nem sequer interessar. O Personalismo de Maritain é o abandono possível da doutrina política católica e uma tentativa de a enquistar na Doutrina dos Direitos Humanos.
O problema que os Neo-Integralistas não percebem, ou não querem perceber, é que o corte que a doutrina maritainiana postula entre sociedade civil-política (conjunto de pessoas e Estado) e a moralidade é a mais grave afronta à tradição política ocidental que se fez a coberto da Palavra da Igreja.
A aceitação dos limites do indivíduo soberano e superior à comunidade política da Doutrina de 1789 é algo de profundamente avesso à Tradição Cristã e que a agride ao sancionar como legítima no plano político a acção das maiorias.
O resultado disso é o inverso ao pretendido por Maritain...

Quando MacIntyre critica a suposta confusão Sociedade-ComunidadePolítica na obra de Edmund Burke, em After Virtue, afirma que o anglo-irlandês é totalitário por considerar que a sociedade deve estar enfunada de um conjunto de princípios históricos. Por considerar que o Estado deve estar imbuído de um conjunto de princípios morais, e não deve ser mera emanação das crenças do conjunto dos indivíduos, Burke ganha um lugar na galeria de reaccionários-totalitários, defendendo nada mais que o que a Tradição Cristã sempre havia consagrado.
Ao invés de livre a sociedade pós-moderna de Maritain e dos neo-tomistas encontra-se refém das posições da sociedade, sagrando como elemento político fundamental a Vontade. O domínio político fica assim rendido à ditadura das maiorias... Sem Estado que defenda a Justiça, mas apenas cumprindo a Vontade da Sociedade Civil, a “quadrilha de ladrões” fica à solta! O governo absoluto das maiorias, reduto que não carece de justificação ou enquadramento, é o mais perfeito Totalitarismo.
Não compreender a superioridade da Nação face ao Estado (premissa fundadora do nacionalismo), na sua dimensão metafísica e histórico-jurídica, abre toda uma a panóplia de arbitrariedades que impede a existência de uma essência da própria comunidade política.

No momento em que os Neo-Integralistas abraçam o Personalismo e os Direitos Jacobinos, recebem todo esse acervo pesado. A incapacidade de compreensão de uma principiologia limitativa da acção política gera as incompreensões diagnosticadas por AJB na obra de Quintas, a identificação da essência de Portugal com a Monarquia, a ideia de que a soberania popular é o mesmo que soberania nacional, a incapacidade de observar a ideia de Portugal subordina qualquer vontade individual ou colectiva...
A questão da soberania nacional vs popular é particularmente importante, uma vez que ela sintetiza toda a questão da subordinação da comunidade política à sua Vontade. O facto de não ser tratada e Quintas aceitar que se trata de uma e a mesma coisa, ao dizer que os Integralistas «afirmavam a organicidade da sua concepção política democrática (no sentido de um primado da Nação)» .
O que não se percebe é a omissão de explanação e quais os seus fins (não se tratando, como se deve crer, de apenas uma omissão reveladora de uma qualidade científica duvidosa).

O dano é evidente. Retirar o Integralismo, o verdadeiro e verdadeiramente português, do contexto de uma construcção superior é retirar a sua importância e a sua referência para a perspectivação de novos horizontes. Equipará-lo a um monarquismo simplório e sem referência à própria essência do Ser Português, a supremacia da Nação (que comporta, claramente, obrigações para com Deus de forma a realizar o Homem, como muito bem relembrou o RCS na prévia caixa de comentários), é dano que me parece imperdoável perante os mortos e os vindouros.

Os que sacrificam uma mensagem profunda a uma aceitação social, hipotecam o nosso futuro e dizem muito sobre si próprios...
Estão mais mortos que os mortos, porque nada têm nada a dizer.

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