A Coragem do Possível
Se há coisa que caracteriza Salazar é o seu profundo realismo. O que é muitas vezes confundido com maquiavelismo é a identidade própria do Estado Novo. E este é um regime interessante pelo carácter compromissório em que se apresenta e que se cristaliza na Constituição de 1933. Anti-parlamentar, anti-democrático e anti-liberal e contudo dispondo de uma Assembleia Nacional, de um conjunto de eleições e referendos e de uma Constituição que consagrava numerosos direitos e liberdades aos indivíduos, o Estado Novo e Salazar desde cedo perceberam que teriam de abrir todas as portas para que pudessem ter sucesso na sua empresa. Por isso trataram de elaborar um discurso e uma estrutura que pudesse suscitar apoios das mais variadas tendências políticas. Assim se verifica aquilo que por aqui já dissemos acerca da importância do sector primo-republicano no Estado-Novo. Essa relação, por vezes de aliança e por vezes de mera paz, é o ponto-chave do equilíbrio estadonovista. Salazar torna-se ainda mais fundamental por isso, sendo o possuídor da visão total, do sonho, da melhor continuação do Projecto.
Os resquícios progressistas da Iª República, que em muito se misturam com elementos modernistas e futuristas do Fascismo, fazem parte do Estado Novo (o direito aos benefícios do progresso e da civilização, consagrados constitucionalmente) e são um claro exemplo de um sistema que é misto. Isto não implica, de forma alguma, que o Estado Novo fosse um sistema sem propósitos ou o lugar geométrico de compromissos inconfessáveis. Pelo contrário, o Estado Novo enquadrou-se dessa forma para que pudesse, da melhor forma, prosseguir as suas finalidades: Integridade Territorial, Portugalidade, Independência.
O Estado Novo foi, por isso, o regime possível e o 28 de Maio o evento que permitiu a libertação do jugo da esquerda nacionalista da Iª República. Longe de ser ideal foi o regime que o “material” permitiu moldar... E o seu génio artístico, o intérprete da Forma, o criador de seus equilíbrios e simetrias, já sabemos quem foi.
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