Domar a Vontade
Em Platão e Aristóteles a Razão apresenta-se como uma virtude essencial, mas não a mais elevada que o homem possui. A natureza da Justiça, a mais importante virtude, contudo, não sobrevive sem essa disposição da alma que lhe é anterior e imprescindível. Se em Platão a Justiça não é mais do que a ordenação da alma e da Cidade segundo os ditames da Razão, uma extensão actuante do conhecimento, em Aristóteles a ordenação da alma à Justiça, uma vez que não existe essa coincidência perfeita entre Conhecimento e Justiça (por via da incapacidade do conhecimento ser absolutamente fundado no elemento demonstrativo), requer também um conjunto de elementos práticos e de hábitos que permitam a obtenção não apenas uma visão do Bem, mas uma acção que mais se aproxima dos bens externos. Em toda a compreensão racional, na filosofia aristotélica, existe um ponto em que partimos para a aceitação de uma fundação, muitas vezes não fundada demonstrativamente (caso não paremos de inquirir nunca poderemos estabelecer nada). O problema do racionalismo e do projecto cartesiano reside precisamente na incapacidade de encontrar esse ponto de apoio. Por possuírem a consciência de que a construção filosófica pode partir de um elemento científico não-axiomático (veja-se a quantidade de vezes que Platão utiliza como apoio e sustentáculo de uma ideia a autoridade de homens sábios, os clássicos que o precederam) existe um elemento evidente de que a fé existe como parte da Razão e que será aprofundado por São Tomás de Aquino.
Sabemos que a “ciência positiva” nada prova, que é apenas uma forma provisória de conhecimento e por isso ficamos em necessidade de uma ciência que estude a forma como essa parte fundamental do conhecimento se estrutura, de maneira a que essa fé, indispensável à racionalidade, não prescinda do conhecimento e não sobreponha os seus desejos à Verdade. Precisamos da ciência do Bem, a Filosofia, para compreender qual a forma de submeter a vontade ao real e evitar o inverso.