quinta-feira, fevereiro 28, 2008

Um Ensaio Sobre a Ignorância dos Nossos Liberais














A Declaração de Princípios da Ala Liberal é um momento de humor que não fica atrás das bonitas reflexões de Michael Seufert. Aqui não há conservadorismos, nem odes à família, nem tão pouco mensagens de promoção da heterossexualidade. Aqui há apenas um dos momentos de pensamento menos liberal de que há memória.

O "valor do trabalho" que está na Declaração é, toda ela, um hino ao antiliberalismo. O trabalho como dignificador, como elemento potenciador da personalidade, o reconhecimento do mérito, é retirado da doutrina social da Igreja e do Estado Novo. Infelizmente a coisa nada tem de liberal, porque viola algumas das premissas básicas do pensamento liberal. Se a comunidade política anda a reconhecer os méritos de cada um, independentemente do valor económico que esse mérito tem (e que é ditado pelo conjunto das interacções humanas), temos um sistema de socialismo centralizado. Não há nada mais ferozmente anti-liberal que esta ideia de que o trabalho é a fonte da virtude social. O que se faz aos proprietários, aos especuladores, aos investidores? Expropriam-se? Não há ninguém que tenha percebido a crítica de Hayek às “meritocracias”. Pode ser-se liberal sem perceber isso?

É também muito divertido ver liberais a falar contra o construtivismo social. Então o sistema das liberdades políticas liberais não é construtivista? Mais um bocadinho e ficamos a pensar que o liberalismo em Portugal veio por ordem espontânea e não pela “made order” da Liga dos Amigos de Napoleão. E o 25 de Abril e o 25 de Novembro, também são casos de ordem espontânea, ou são abjurados pela Ala Liberal? O liberalismo português não foi todo colectivista, expropriador, inventor e desenhador de sociedades? Então porque é que defendem a reforma da Constituição e não a criação de uma nova?

Gosto também de ver o mui liberal controlo democrático dos serviços de segurança. Já estou a ver referendos para publicitar as imagens da vida privada de alguns figurões da nossa sociedade.

Quanto ao recuo do Estado em matérias de costumes a coisa é muito interessante. E a eutanásia? E a venda de órgãos? E a compra e venda de fetos para investigação científica ou para práticas de bruxaria?

Há uma parte particularmente importante da Declaração de Princípios e que mostra bem o alcance da iniciativa. Substitui-se o “interesse público” pelo “interesse geral”, ou seja, o interesse comum pelo conjunto dos interesses privados. Aqui dá-se uma revolução cosmológica assinalável. O interesse público é comum, mas o geral é o conjunto dos privados. Mas não há interesses contraditórios? Como é que se procede então à selecção dos interesses privados lícitos? Um critério extra-subjectivo não poderá ser, porque isso implicaria um “interesse público” e a aceitação de algo que é maior que os interesses dos privados. Se o critério é apenas serem os interesses do grupo em particular e dos seus membros, o resto da sociedade pode desprezá-los e dizer “e é do nosso interesse violar a propriedade com o socialismo, ter o Estado em cada esquina, expropriar-vos amanhã. Como somos mais...”.
Não é próprio da natureza do liberalismo fazer uma apologia de algo que é superior aos interesses dos indivíduos? Não foi isso que Locke, Kant, Hayek, Nozick, Mises ou Rothbard fizeram?
Só um erro básico de compreensão do que é o liberalismo pode levar a tamanhos disparates.

Isto tudo seria grave, mas se fosse para levar a sério. Se o fosse responderia a estas simples questões, formuladas em dez minutos.
Deve servir de aviso aos que se consideram "companheiros" destes "liberais". Se consideram que estão bem num partido que acha isto uma posição digna...

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O Pato em Nietzsche














(À falta das 12 Palavras, para aplacar o Dragão)

Um dos problemas que sempre tive com Nietzsche foi a incapacidade de o ler sem perceber quem está a enganar quem. Sabemos que ali há um “pato”, mas nunca sabemos se é o autor, o receptor, ou o intérprete. Um dos problemas mais claros da obra de Nietzsche é a problemática da Natureza. Se a “vontade de poder” é a verdadeira natureza do “ser”, mas toda a compreensão do “ser” é subjectiva, porque é que esta se apresenta como trans-subjectiva? Porque é que é a Verdade que não podemos ter acesso à Verdade?
Se o “pato” for Nietzsche, percebemos que se trata de um amor excessivo de mundo o que o move. A supremacia do “mundo” absorve-o até ao ponto em que este assume o lugar de Deus. Aceitando um semi-deus como Deus, Nietzsche aceita ser escravo do seu semelhante.
Se o “pato” for o receptor, não podemos senão compreender que Nietzsche foi o pai de tudo o que é nobre e o primeiro a compreender que nada mais que a nobreza é possível. Todos os seus seguidores lhe serão inferiores, aceitando a autoridade da sua “Vontade de Poder” ou aceitando-a como visão extra-subjectiva.
Se o “pato” é o intérprete, anda-se a cansar a pensar em problemas que não vão para além dos desejos de auto-divinização de um mortal que se encontra imerso numa luta contra o esquecimento.

Sob o signo do optimismo



















Já saiu a Intercollegiate Review desta Primavera. Uma das poucas leituras que são realmente imprescindíveis.

Um novo espaço onde nos vamos encontrar...

Já conhecem o GLOCAL?

quarta-feira, fevereiro 27, 2008

Esta Gente Vai Longe...








Ao ler o blogue da Ala Liberal, deparei-me com a notável reflexão de Michael Seufert sobre o Conservadorismo. Depois de confessar que não percebe nada do que é o Conservadorismo, Seufert lá acaba por admitir que é viver segundo padrões que não pode compreender. É um notável progresso analítico. O Conservadorismo é o reduto do inexplicável, do “é por que sim”, do palpite insondável.
Seufert não quer a imposição de certos modelos de família pelo Estado, mas é contra a adopção por casais homossexuais. A razão para isto? O Conservadorismo. Mas sempre sem usar o Estado para impôr valores e sem incorrer no problema de explicar porque é que algo deve ser de certa forma. Fica fora da esfera de compreensão de Seufert o facto de uma proibição ser uma imposição estatal...
Mas para quê massacrar o rapaz com pensamentos tão profundos?

Por fim ficamos a saber que ser Conservador é também “querer constituir uma família tradicional”, o que nos remete para um elemento bem bonito da reflexão seufertiana. Ser Conservador é ser Heterossexual. Boa, pá!
A reflexão política está em boas mãos na Ala Liberal. O CDS pode dormir descansado que a sucessão está assegurada, segundo os bons auspícios desse génio e exemplo que é António Pires de Lima.

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terça-feira, fevereiro 26, 2008

Contra o Disfarce Optimista da Gnose












Num e-mail, o amigo Modernista pergunta qual o ponto onde teremos, de forma tão irresolúvel, divergido. Levanta a questão do pessimismo antropológico, afirmando que eu serei um proponente desta modalidade de pensamento. Não o creio. Os pessimismos e optimismos antropológicos são, na melhor das hipóteses, o resquício de um diálogo vazio, são a carapaça de que se revestem as coisas de maior profundidade.
A diferença entre um reaccionário e um modernista é que o primeiro se encontra no meio de um diálogo sobre a Humanidade que possui milhares de anos. Aceita como dogma a possibilidade do erro, que o erro o afasta da realidade (a forma como as coisas realmente são), que a realidade possui uma força que ordena o mundo. Já o modernista insere-se, inconscientemente, num diálogo tão antigo como o primeiro, mas onde toda a forma de pensamento é vista como expressão de uma ordem inapelável, como expressão irredutível de uma verdade que é incomensurável e incapaz de transcender o sujeito, porque incapaz dele se destacar.

A maior parte dos modernos e modernistas ficariam horrorizados com os pressupostos da “gnose” que aceitam como estruturante do seu pensamento. A gnose moderna acredita na verdade que reside em todo o Ser Humano, mas assim que vê erguida alguma oposição aos seus “modernos” fins, exclama rapidamente a infra-humanidade do atacante. Se em todo o homem reside a verdade, porque é que foi preciso o gulague? Se a unidade do género corresponde a uma liberdade de expressão, o processo só existe enquanto o indivíduo colocado na posição de poder pode escolher o que é humano e infra-humano, segundo o seu próprio critério. Ou seja, o líder encontra-se auto-capacitado para escolher o critério de humanidade que entende, uma vez que este é apenas uma expressão da verdade no seu infinito particular (que melhor definição do autocrata, que o semi-deus de Aristóteles?). E como os outros não tem capacidade de aferir a parcela incomensurável de verdade do líder, nem uns dos outros (a impossibilidade de comunidade é evidente, onde todos têm no seu âmago uma verdade que é individual), o Poder só pode estar desligado da verdade e ser uma prática contractual e convencional, onde existem violações ao estabelecido, mas nunca pode existir erro.

A gnose pressupõe a incomensurabilidade dos mundos particulares, santificando-os como se fossem a Verdade, escolhendo os critérios do Bem e Mal, do Humano e Infrahumano, por inspiração individual e sem uma racionalidade que permita julgar aquilo que foi escolhido.
Mas a Igreja não defende o ideal de autonomia (como pergunta o Modernista no ponto 6 da sua Crítica) e não é uma defensora deste “estado-de-coisas moderno”?
A resposta é simples. A liberdade do livre-arbítrio não significa que exista uma esfera inviolável da acção humana. Significa apenas que a acção moral (a virtude ou o vício) pressupõe uma esfera volitiva como definidora da acção. Quando esta liberdade não se realiza na virtude, deve ser dobrada pelos educadores. Quando perigosa para a comunidade, pela política. E se existe liberdade que um católico não possui é a de achar que tem a total liberdade para escolher o critério que define o mal e o bem. Sem isso não é possível ser católico, porque essa é a possibilidade de escolher uma “liberdade” escravizante.

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Parabéns

Pelos 301 "posts".

quarta-feira, fevereiro 20, 2008

Espaços e Memória














Li, há dias, uma excelente entrevista de Pierre Manent e Marcel Gauchet ao Le Magazine Littéraire, a propósito da necessidade, que ambos os autores diagnosticam, de uma comunidade como substrato da democracia. Ambos observam que os pressupostos comunitários da democracia e do igualitarismo que a precede e enquadra, estão a ser subvertidos pela “cultura de direitos” que afasta a vida comum para uma teoria individualista a ideia do político. Daí à ideia do Estado como mero sistema de resposta a “inputs” da distopia tecnocrática é apenas um salto a partir do isolamento e da anomia, o que corresponde a uma sentença de morte a prazo do regime. Um sistema político que não comporte uma “memória comunitária” está condenado a não saber o que fazer e, em última análise, a deixar que os seus princípios sejam arrastados para o “caixote do lixo da História”. Sem meios para se compreender, estando unidos por razões que não são a compreensão do lugar do Homem no Mundo e a sua realização concreta (unidades raciais, sociais, linguísticas e lixo similar), as comunidades degradam-se e aceitam a destruição dos seus elementos constitutivos.

Esta reflexão é importante nos dias que correm, em especial para os que acham que uma comunidade política, um território, uma nação, pode ser subvertida apenas porque mais de metade dos eleitores assim tiveram por bem. Onde não existe uma memória, uma ligação do lugar aos princípios e onde se achar que “o comum” pertence aos privados, pode aceitar-se a injustiça a troco de um benefício pessoal. E pode um imigrante receber a hospitalidade de um povo, ter filhos nessa “casa” e depois dizer que a casa é sua?
Isto é Direito?

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A Próxima Geração

"Exemplo de Coragem", por António Bastos.

Tarde

No dia 16, a Casa de Sarto cumpriu quatro anos de actividade. O JSarto e o RCS não lembraram a ocasião e não "postaram", mostrando a aversão à vaidade que os caracteriza.
Ficam os parabéns ao que é o melhor blogue português da Tradição Católica, na esperança de mais "posts" para este ano de actividade.
Um grande abraço ao Rafael e ao JSarto.

No Coração da Besta

"A Maldita Geração de 70", por Miguel Castelo Branco.

terça-feira, fevereiro 19, 2008

O Direito da Força

A mesma ordem internacional que impediu a independência da República Srpska (dos sérvios da Bósnia) é a que faz pressão para o reconhecimento de um Estado Independente que, já se sabe, será apenas uma província albanesa, mas com poderação por dois nos órgãos e instituições internacionais. Seria de estranhar esta obsessão com a criação de Estados falhados, caso não soubéssemos que é mais barato comprar um Estado em convulsão, ávido de bens de consumo e de alguma pacificação... É nesta estratégia de dissolução dos Estados e Nações que a UE tem vindo a operar, comprando em baixa os mercados, os votos, os territórios em que se vai expandindo na busca desenfreada de mais mercados e mais peso para a Alemanha e para a França.

Qual é o Direito Internacional que aceita uma independência e força outros a viver com os inimigos? E a promessa de respeito pelo património e legado da minoria sérvia que tem vindo a ser apregoado como vantagem do poder albanês? Se me explicarem qual é o princípio que ordena toda esta "paz"...
Antes havia justificações, afirmações de princípios, declarações. Agora há apenas a força e a arrogância no roubo que é perpetrado.

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sexta-feira, fevereiro 15, 2008

Um Esclavagismo Presente















Como mencionei, existem dois problemas essenciais na questão da escravatura, o natural e o convencional. O natural respeita aos indivíduos que são incapazes de se governar e de que a História nos dá amplos exemplos. Os Astecas e outros povos selvagens (em particular os que conduziam guerras de escravização junto dos seus vizinhos, p.ex.) de todos os continentes (digo-o com plena consciência e contra a mentira relativista contemporânea), com a sua religião de morte, com a criação de guerras para a satisfação do seu desejo de sangue, com a incapacidade da manutenção de qualquer regra que não fosse a capacidade de obtenção de vítimas sacrificiais, estão entre alguns desses exemplos de povos para os quais o paternalismo é a única alternativa.
Curiosamente, para os mais atentos, aqui já se deu um salto ilustrativo do abismo entre o pensamento Clássico e Cristão. O Modernista coloca a questão do paternalismo como Escravatura, enquanto que o presente escrevinhador havia realçado a diferença entre a relação paternal e a relação esclavagista. Na relação paternal existe uma preocupação com o bem do outro enquanto que na esclavagista a obediência se faz numa relação homem-objecto ou animal não-humano. Isto mostra bem até que ponto o Cristianismo operou uma revolução nos conceitos de Humanidade, que até a povos que personificam a crueldade e a barbaridade, reconhecemos uma característica humana. Mas demonstra, também, a forma como ao Modernismo repugna a acção benevolente não executada pela vontade do próximo. Em vez de reflectir sobre «quem deve poder governar-se?», reflecte sobre como criar esferas autonómicas para a obtenção de uma sociedade pacificada, onde cada um é senhor do seu universo particular. O problema está em que o universo particular não sobrevive sem uma reflexão sobre os objectos exteriores e da contraposição da visão dos mesmos com outros. Sem essa “comunidade” o universo particular resvala para o pesadelo da incompreensibilidade e da incomensurabilidade, que criou as “vontades de poder individuais”. Nietzsche tinha mais de vítima das ideias e da estrutura do Ser, do que de criador do Hitlerismo.
O problema é sério e por isso considerei a crítica que me foi dirigida pelo Modernista, uma crítica justa. Ela de facto “cabe” no que se disse, mas levanta mais problemas para um liberal. Qual era o fim da Conquista dos Astecas? Permitir a subsistência daquela cultura homicida era possível?

Esta questão leva-nos ao segundo ponto. O que se encontra no fundo da guerra? Depois da vitória existe, para o Cristão, apenas uma questão: como preservar a vida do homem que se rendeu? Se ele não abandona a conduta que conduziu à guerra é possível devolvê-lo à liberdade e à disposição de si? Evidentemente que não, porque isso demonstraria a injustiça fundamental da guerra movida, de uma acção que poderia ter sido evitada. Não existe qualquer povo que mova guerras justas e que possa afirmar que não tutelou o oponente até que este cedesse e se organizasse segundo outras finalidades ou acções.
Não existindo colectivismo no mundo antigo e no mundo medieval, o fim da guerra estava impossibilitado em tranformar-se numa responsabilidade partilhada. O resultado da vitória era um conjunto de contratos individuais de dominação entre o detentor da espada e o que a havia deixado cair.
A Igreja, incapaz de contrabalançar este “privatismo convencionalista”, lá foi balizando a ordenação dos esclavagistas (de modo a não se alcandorar a entidade política-administrativa). Daí as condenações morais do roubo aos bens dos povos africanos, daí a condenação de todo o tratamento degradante ao escravo, daí a proibição moral da tomada de escravos, daí a sua incapacidade para proibir o tráfico esclavagista e a resolução privada do “fim da guerra”. Não se podia fazer escravos, mas podia-se comprar escravos aos que o podiam fazer.
Não havia alternativa real. Esta veio depois com a colectivização da guerra e da sociedade sob a forma de campos de prisioneiros que se mantiveram para além das guerras.

Havia um significado escondido dentro do texto anterior, realmente. Era mais uma linha argumentativa do que uma ideia e que iria ser explicada neste texto, em que a minha posição sobre a Escravatura é mais explícita.
A Escravatura era um mar de erros, como tanto do que constitui a humanidade. Deixava aos vícios privados a ordenação de homens que deveriam deles ser libertados (ainda que sempre com obrigação moral de o fazerem, muitos não o fizeram). Se no plano económico o Ocidente se conseguiu libertar da dependência desta instituição, foi apenas porque a mão-de-obra escrava liberta (desligada de famílias ou associações) se tornou mais barata por trabalhar “à jorna”, em vez de requerer manutenção logística do sistema esclavagista... Muitos passaram a viver pior e a morrer à fome em tempos crise económica. Afirmar que esta relação jurídica é simplesmente má, esconde o facto de muitos terem passado a viver pior, que apenas contribui para uma mitificação do liberalismo que não tem nada de real.
A grande contradição liberal reside também aí. Não é possível o mito da autonomia sem que nos respeitem a autonomia e não é possível que nos respeitem a autonomia sem guerra e o esclavagismo que esta impõe (qual o sujeito não-utópico que discorda disto?). Em Guantanamo os Estados Unidos pagam pelo seu próprio mito. São corroídos por ele, perseguidos pela própria ideia de liberdade e justiça procedimental e individualista de que são herdeiros. Não há escravos em Guantanamo?

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Ciências Ocultas


















O Pedro Arroja tem vindo, numa série de "posts", a mostrar como o ensino do direito em Portugal é uma hermetização de um vazio ou uma complexificação de ideias bastante simples.
Deixo aqui mais uma demonstração dessa bonita tradição, que um amigo me fez chegar por e-mail.

«Só mais uma nota. O titulo, originariamente excogitado para este trabalho, depois de provisoriamente estruturada uma parte da obra, era o seguinte: intersubjectividade da prudencial fundamentação racionalizante, autonomia intencional do acto concretamente judicativo e pluridimensionalidade do hermenêutico horizonte dos problemas juridicamente relevantes - os termos e o tertium do discurso prático-analógico e dialético-crítico superador da tradicional impostação teorético-autista da metodonomologia. Abandonámo-lo por excessivamente prolixo e por esteticamente imprestável na sua demasiado nítida linhagem setentista, mas julgamos que talvez sintetizasse de um modo compreensivo (hoc sensu, sem excluir nenhum parâmetro relevante do problema que nos proposemos estudar), como nenhum outro, o percurso empreendido».

Fernando José Pinto Couto de Bronze, "A Metodonomologia entre a semelhança e a diferença, reflexão problematizante dos pólos da radical matriz analógica do discurso jurídico", Coimbra, p. 15.

quinta-feira, fevereiro 14, 2008

Dias Cor-de-Rosa

O Dia dos Namorados já é em si ridículo, mas este ano está a atingir cúmulos de abjecção. Carrinhas para combater a disfunção sexual em que o objectivo é (adivinharam!) "acabar com os tabus", marchas populares para apelar à utilização do preservativo e à fruição de uma sexualidade plena, homossexuais a beijarem-se, não por amor, mas para obterem direitos e reconhecimento (há muito de doentio num acto de afecto feito para a reacção de terceiros), sexólogos a falar sobre o amor na tv, crianças na escola a imitarem sentimentos de adultos, ursos de peluche, bonbons e flores feias.
Não compro.

Balanço Provisório

Nas férias há sempre notícias que abrem telejornais sobre o número de mortos na estrada. Num mau mês morrem 100 pessoas na estrada. Sabendo-se que quase metade dos portugueses acreditam que o aborto significa a morte de um ser humano, não seria de referir que todos os meses se realizam 1000 abortos em Portugal? E não seria de perguntar aos que diziam que o aborto não seria um método contraceptivo, porque é que uma rapariga de 19 anos já vai no terceiro?

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quarta-feira, fevereiro 13, 2008

He Strikes Again...

O texto abaixo, da pena do famoso "Modernista", surgiu em reacção ao meu texto "A Miragem da Libertação Injusta". Uma crítica que me parece profunda e justa, por pegar nalguns pontos que seriam explícitos num segundo "post", ainda em elaboração e que esta crítica fará por reelaborar e trazer à estampa num espaço mais breve que o previsto. Entretanto e no meio de outros afazeres e trabalhos, deixo ao cuidado dos leitores esta extensa e sagaz reflexão que é, aparte dos elogios expressos, uma demonstração elogiosa do cuidado com que este amigo brinda o que aqui se escreve.
Aqui está ele!

Reacção ao Texto do Corcunda

Relendo o magnifico texto que o caro amigo Corcunda me dedica — num espirito, que abraco, de amizade a Verdade e a Platao, sempre por esta ordem de prioridade — conclui que a minha primeira leitura nao tinha atingido os aspectos mais penetrantes. O Corcunda, parece-me, revela-se aqui discipulo daquele metodo de escrever filosofia que, depois de Strauss, conhecemos como “esoterico”. O texto do Corcunda esconde uma narrativa mais geral, coerente e profunda do que o que parece a primeira vista.

Num laconico comentario a um post anterior do Corcunda sobre o Padre Antonio Vieira e a uma serie de comentarios sobre a escravatura que se lhe seguiram, escrevi que a escravatura “foi sempre um mal e um erro”. O Corcunda dedica-me um texto que me desafia a explorar a questao da justificacao moral da escravatura. Mas ha mais do que isso no desafio do bom Corcunda. Nao fora uma incontornavel amizade a um Platao-Modernista, que o induziu a dizer as coisas mais importantes sob forma esoterica e num espirito de aristocracia intelectual, o Corcunda confrontar-me-ia implacavelmente com a seguinte questao: “Sera que nessa condencao tao firme da escravatura tu, o Modernista, fostes seduzido por uma vulgata voluntarista, que em ultima analise conduz ao nihilismo e portanto destroi os proprios termos que procura sustentar?” Com esta questao, se for essa a questao, o Corcunda forca-me — e eu nao o lamento — a por as melhores cartas que puder em cima da mesa.

A minha reaccao tem duas partes. Na primeira debato a questao da escravatura — e a questao maior da fundamentacao etica para a qual qualquer discussao seria da escravatura inevitavelmente remete — do ponto de vista filosofico. Na segunda, menos importante intelectualmente mas muito mais relacionada com o meu comentario, debato a questao da escravatura como instituicao social praticada na historia e com efeitos que a historia regista e critico o que considero o impulso idealista do Corcunda.


I

1. “A escravatura e uma violacao dos direitos de todo o ser humano e uma instituicao social abjecta porque reduz o individuo, um fim em si mesmo, a um objecto apropriavel e transaccionavel”. Esta frase condensa o que, julgo, e a opiniao dominante sobre a escravatura, inclusive entre intelectuais. Mas ate que se explique porque e que cada vontade individual deve ser “livre” no sentido implicito na frase, ela nao passa de um slogan e de um dogma. A questao, portanto, e: o que e que justifica a assercao de que o homem e um “fim em si mesmo”? Poucas pessoas consideram que a questao faz sentido. Tomam por axiomatico o individualismo moral — a tese de que o individuo e a vontade individual sao “dados” primarios e auto-validados no espaco moral. Julgo, por outro lado, que a maior parte dos que perfilham o individualismo moral nao sabem o que fazer se forem obrigados a defende-lo.

2. A verdade e que o dogma do invidualismo moral baseia-se num equivoco originario. A filosofia moral moderna, confrontada com a a desintegracao social de uma concepcao unica de Bem e, ao mesmo tempo, com a exigencia de universalidade racional, tomou como tarefa definir uma etica distanciada do Bem. O Bem seria “materia de cada individuo”, nao porque nao esteja sujeito a discussao (diferentes filosofias modernas opoem-se a esse respeito) mas porque a Razao nao pode “arbitrar concludentemente” a disputa entre concepcoes diversas do bem. O projecto da filosofia moral moderna e, portanto, o de secularizar a etica. A ambicao e a de alcancar, perante o facto do pluralismo religioso e moral, um ponto etico arquimediano. Este ponto tem uma dimensao puramente instrumental, na boa tradicao Maquiavelica e Hobbesiana, porque e uma especie de “Etica de consenso” ao alcance da “Razao” isolada. Ora, quis-se que esse ponto arquimediano fosse o individuo e os seus “direitos”. “Podemos discordar sobre o Bem mas nao sobre a autonomia e os direitos do individuo”. Kant e o representante mais notavel deste projecto, mas com ligeiras alteracoes todos os grandes da Etica Moderna pertencem ao mesmo movimento de ideias: Locke, Bentham, Hume, Smith, Humboldt, etc. O elemento central do projecto e o de que ha dois estratos no espaco moral: o estrato dos “direitos” e o estrato do “Bem”, completamente independentes. A justica, uma virtude sobretudo politica, desloca-se do terreno do Bem, designadamente do Bem Comum, para o dos “direitos”. O Bem passa a ser materia “privada”.

3. O equivoco originario esta no esquecimento de que uma etica divorciada do bem e uma contradicao nos proprios termos. E um projecto impossivel. A etica — algo que muitos filsofos de “sistema” esquecem — dirige-se a pessoa moral. Mas a pessoa moral nao pode ser motivada por razoes desligadas da concepcao de Bem que perfilha. Nem pode racionalmente — e isto e crucial — tomar o Bem como materia privada, quer porque e do Bem que recebe as normas pelas quais rege a sua interaccao com o outro, quer porque muitas (e todas as nao-vulgares) concepcoes de Bem — entre as quais a etica crista, de longe a mais importante no ocidente — nao sao sequer compreensiveis como puras materias da “consciencia” definidas pela preferencia individual. O Bem e, pelo menos em parte, “Bem Comum” e o homem e um animal politico. Justamente por esta razao a etica dos “direitos”, fundada no axioma do individualismo moral, nao e etica nenhuma. E um sistema de abstraccoes sem relevo “pratico”, no sentido proprio do termo. Falha a missao primordial de motivar a conduta da pessoa moral. Se eu acredito no Bem nao atribuo relevancia etica independente a um “estrato primario” de direitos; se nao acredito no Bem nao tenho nenhum motivo para acreditar em “direitos”. O individualismo moral conduz, paradoxalmente, ao nihilismo, porque viola as proprias premissas da Etica. Kant, que era um genio, percebeu em alguns momentos isto e por isso fundamentou o “dever moral” numa metafisica secular (absurda) baseda numa concepcao de liberdade (paradoxalmente) hiper-religiosa mas sem conteudo espiritual. Dai que a etica Kantiana seja, ao mesmo tempo, a mais brilhante e mais ridicula versao da etica moderna.

4. Posto o que disse, e evidente que a condencao vulgar da escravatura e completemente desprovida de merito intelectual. E nao a partilho. A escravatura so pode ser julgada relativamente a uma concepcao do Bem. Do ponto de vista arquimedianao — a visao total do Mundo, mas apenas do Mundo — esse ponto de vista e sempre fatalmente relativo. Mas aquele que perfilha uma concepcao do Bem coloca o seu julgamento acima desse Mundo limitado e portanto julga o Mundo a partir de uma concepcao de Bem que toma por verdadeira, por absolutamente verdadeira. Como Catolico, e assim que eu coloco a questao da escravatura: julgo-a pela metrica da etica crista. (E quando falo em etica crista nao e aquela especie de etica chamada “moral judaico-crista”, uma vaga categoria sociologica, a que me refiro, mas a etica de um crente orientado pela teologia moral). Isto significa que a minha critica das instituicoes sociais e a minha vontade politica nao se definem fora, mas antes a partir, da concepcao de Bem que perfilho. Sobre isto direi mais a seguir, mas insito que nesse aspecto estou (quase) em sintonia total com o Corcunda quando ele defende que nao ha liberdade fora do Bem.

5. Diz o Corcunda — e bem — que a escravatura so se pode justificar quanto aqueles que tem uma incapacidade irredutivel para participar na ordenacao do “Bem Comum”. Isto implica duas coisas fundamentais. Em primeiro lugar, que so condicoes muito exigentes justificam a escravatura (embora me pareca que isso so e verdade do ponto de vista de uma certa visao do Bem, certamente uma que eu e o Corcunda tomamos por verdadeira); em segundo lugar, a escravatura e teoreticamente licita, porque em certas condicoes pode ser a unica forma de fazer o Bem. Aceito estas premissas.

6. Chamo, no entanto, a atencao do Corcunda para o facto de eu ter dito que a escravatura “foi sempre um mal e um erro” em vez de ter afirmado que “a escravatura e, por definicao, imoral”. O meu juizo era condicionado a historia da escravatura, que julgo odienta e, alem do mais, evitavel. Sobre isso falarei na segunda parte, onde criticarei a tendencia do Corcunda para escorregar da historia para a filosofia, cometendo o erro do idealismo. Mas sobretudo quero salientar que nao me parece de modo algum que alguma vez se tenham verificado as condicoes que o Corcunda sabiamente impoe. A escravatura depende de uma total inabilidade para o uso da liberdade que exige uma forma radical de paternalismo moral. Uma etica, como e a Crista, que proclama como norma basica a igualdade moral de todos os individuos, nao pode deixar de desconfiar de um desvio radical como a escravatura. Claro que, bem nos entendamos, a igualdade moral implica o bom uso da liberdade — nao e um “direito”, uma pretensao auto-sustentada. Mas o ponto e que, julgo, o ideal Cristao e o da autonomia moral do individuo. Sobre todas as formas de ordencao exterior recai o onus da prova. Isso nao significa, claro, que seja impossivel, ou sequer altamente improvavel, que se faca “prova bastante”. Mas condicoes como as que o Corcunda, e bem, impoe para justificar a escravatura sao de tal modo exigentes que gostava que ele me desse exemplos. O que temos a registar na historia — mas disso falaremos depois — e que a escravatura foi um espetaculo de vicios, desde a venda judical de familias para pagar dividas ate a exploracao economica dos escravos. A historia da escravatura e a historia da degradacao moral do ser-humano.

7. Um ultimo comentario nesta primeira parte a frase do Corcunda, segundo a qual: “So ha liberdade onde ha Justica.” Esta frase pode querer dizer muitas coisas. Uma das coisas que pode querer dizer, na linha do que disse ate agora, e que nao ha liberdade acima e fora do Bem (Justica entendida como a parte politica do Bem, o “dar a cada um o que e seu” em que o criterio do que “pertence a cada um” e uma concepcao do Bem Comum). O Corcunda aqui exagera. Ele nao deixa espaco, na esfera politica, para a possibilidade do erro, nomeadamente o erro fundamental. Eu sou cristao mas nao me alieno, na conviccao da minha crenca, da capacidade intelectual e emocional para testar os dogmas em que acredito e o que tomo por verdadeiramente Bom. Esta atitude, cultivando a liberdade critica, nao equivale de todo a embarcar no absurdo projecto dos “dois estratos” da filosofia moral moderna. Como disse, o meu juizo moral e — como nao pode deixar de ser — inevitavel funcao da concepcao de Bem que perfilho. Mas isso nao me transforma num dogmatico cegado pela crenca. Julgo fundamental dar a mim mesmo e ao outro — inclusive ao outro participante na esfera politica — alguma liberdade para criticar. A liberdade critica que a Modernidade deu ao homem nao o conduz necessariamente ao vazio espiritual e a corrupcao do Bem. So um pessimismo antropologico extremo, que procura o dogma como ferramenta de coesao e ordem e nao apenas como deposito das aspiracoes do crente, pode conduzir, como me parece conduzir muitas vezes o Corcunda, ao tradicionalismo mais amorfo e alienante. Nisso, eu assumo a minha clara inclinacao modernista. Nao ha vida decente sem crenca, mas nao ha crenca verdadeira sem critica, teste, interlocucao e criacao.

8. Se agora o Corcunda me perguntar como e que eu defino as esferas do Bem e da liberdade critica numa comunidade politica a minha resposta e que nao ha nenhuma “definicao”, porque nao ha nenhuma meta-teoria que resolva a questao de saber como e que o crente deve distribuir a sua vitalidade e aspiracao entre as tarefas opostas de curvar-se ao que lhe aparece como sagrado e abracar o impulso para nao deixar o dogma converter-se em carapaca vazia de sentido. Mas claro que para mim esta e uma das questoes mais importantes em teoria politica. E o meu modernismo conduz-me para regioes diferentes daquelas em que o Corcunda se sente mais em casa. Nao ha em mim um unico cabelo Miguelista!


II

9. O mais importante e a discussao filosofica, mas sobre a escravatura ha uma historia que nao pode ser ignorada. O Corcunda responde a minha assercao de que a escravatura foi sempre um mal com uma analise da escravatura em Aristoteles. Mas a nao ser que o Corcunda, paradoxalmente, se sinta atraido pelo mote Hegelianao de que o filosofo e um “filho do seu tempo” no sentido radical em que fala a “razao da epoca”, estranho como possa achar que e na filosofia que se faz o julgamento de uma instituicao social que atravessou varios seculos. So um idealismo que julgava extinto e que pode convencer-se que em Aristoteles se encontra a praxis humana de uma epoca vertida em palavras. Nao e essa, com certeza, a posicao do Corcunda. O argumento dele sobre a escravatura permanece, por isso, envolto numa aura de misterio.

10. A historia da escravatura nao e, no computo geral, a historia da harmonia entre razao (ou natureza) e convencao. E a historia de leis injustas, desligadas do bem, de abusos, morais e economicos, e da exploracao do homem pelo homem para outro fim que nao o da realizacao da vontade mais mesquinha e do poder mais reles. No Mundo Classico as leis, em certos periodos, forcavam a escravatura de pessoas livres para pagar dividas. Mesmo nos casos mais brandos de filosofos e intelectuais que eram tomados escravos fruto de conquista e tornados perceptores nao ha nenhum motivo para aplaudir a escravatura — os escravos eram superiores intelectualmente ao senhor. E a expansao imperial das potencias ocidentais tornou a escravatura numa degradante forma de gerar mao-de-obra. Nada disto tem o que quer que seja que ver com a aspiracao moral e intelectual de que o Corcunda fala, sob a sombra comoda de Aristoteles. Poder, vontade e falta de sentido do bem e da justica — esta diabolica trindade parace-me resumir menos mal a complexa historia da escravatura do que as imortais palavras do Filosofo.

Sobre a Política na Forma de Pontos

Um amigo passou-me um panfleto de um novo partido da área da direita. Não acreditando que a política se faça por pontos ou axiomas de interesse prático, mas pela aplicação ao concreto de princípios, só posso ficar um pouco céptico.
Ler um conjunto de medidas e encontrar interesse ou mesmo adesão não significa identificação com um ideário.
Quando alguém afirma que quer defender a liberdade de expressão, interessa saber quais são os seus limites, qual a sanção à mentira, como se vai aferir a verdade. Quando se fala de defesa da família é preciso perguntar «que família?». A contemporânea, o núcleo mais próximo, a família alargada enquanto núcleo de sustento económico, aquilo que cada um achar que é a família (em perfeita consonância com a liberdade de expressão...)? É preciso conhecer os limites do Direito ao Trabalho, saber a razão da manutenção da agricultura e pescas (se é por um direito individual ao trabalho que os indivíduos desejam, se é por uma questão de tradição, se é para a manutenção dos modos de vida com valores próprios, se é por questões territoriais...). É necessário saber o que é uma economia livre com preocupações sociais (se há um direito ao sustento por parte do Estado e em que casos ele não se aplica, se os indivíduos têm direito a fundos públicos para a sua sustentação, como se pode limitar esse direito sem entrar pela controlo do número de filhos e da saúde do cidadão?).
O mais importante é sempre o que não é dito...
Há uma razão para os movimentos políticos importantes terem sempre bons movimentos intelectuais na sua génese.

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terça-feira, fevereiro 12, 2008

O Duplo Regicídio, pelo Dragão

A Miragem da Libertação Injusta















(dedicado ao Modernista)

Em Aristóteles existem dois conceitos de política. A cada um corresponde um conceito de escravatura. Na concepção mais lata o político é tudo o que se relaciona com a Pólis, independentemente do tipo de relacionamento mantido entre os membros da comunidade. Noutra, mais restrita, a política é toda a relação de cidadania que se faz tendo como medida o bem comum,o que corresponde a um tipo específico de comunidade. Na primeira concepção cabe a análise a uma imensidão de relações de escravatura que provêm dos vários relacionamentos entre os homens e a ordenação humana. Na segunda concepção há que analisar a forma como numa relação política (pólis) existe lugar para uma relação não-política, para que um elemento humano não se encontre abrangido pelo bem da cidade e mesmo assim se mantenha a legitimidade da sua obediência.
Em Aristóteles a escravatura pode, portanto, ser política ou infra-política (de carácter privado ou social).
Existem dois elementos preponderantes na escravatura. O seu carácter natural e o seu carácter convencional. O primeiro, porque só pode ser escravo quem possui uma incapacidade irredutível de participar na ordenação, ou seja, aquele que é desprovido de capacidades noéticas que o permitam compreender e submeter-se ao bem comum e ao carácter filosófico que este possui. O segundo, porque deve existir uma estrutura convencional para a aquisição de direitos sobre esse ser de humanidade imperfeita. A Ordem das Coisas e a Vontade dos Homens são dois elementos preponderantes.

Aristóteles, porém, ao teorizar a escravatura como uma concepção lícita, abriu uma das portas mais importantes no sentido da libertação, ao postular que toda a “alma completa” (o conceito não é aristotélico, mas paciência) teria direito à participação no bem que a comunidade defende. Assim que o Cristianismo e o conhecimento de várias civilizações demonstraram a capacidade intelectiva do bárbaro para a compreensão mais elevada, um dos pressupostos essenciais da escravatura encontrava-se moribundo.

No Mundo Clássico a escravatura era a impossibilidade de dispôr bem de si, que conduzia a uma ordenação num sentido mais elevado. Com o predomínio da ética voluntarista na Era Moderna, a escravatura passou a ser considerada como um conjunto de restrições à vontade própria, que nos reconduz a um problema mais complexo e mais profundo que toda a quantificação voluntarística. A questão reside em saber se é mais livre um filósofo que é tomado escravo e que tem a possibilidade de viver ou morrer para fazer prevalecer os seus princípios, ou o trabalhador rural que é juridicamente livre, mas que não tem um “ethos” que lhe possa servir como bússola de tiranos e governantes.
Sem esse elemento fundamental ético, o escravo liberto pode tornar-se escravizador, porque onde as vontades se encontram sem um substrato de justiça, predominará sempre o elemento da força, que corresponde ao carácter meramente convencional da escravatura. Onde a convencionalidade predomina, ignorando a natureza, a escravatura subsiste (a Veritas Ipsa proíbe a rapina, mas não os direitos adquiridos a terceiros). O que preocupa no liberalismo e na Modernidade não são os efeitos, mas a capacidade que tem de escolher a metafísica que acolhe melhor aquilo que se quer criar no mundo (exs: Eu gosto da liberdade, invento um momento pré-político em que se vivia de forma livre. Eu quero obediência, invento que a sociedade se ordena com medo da violência. Eu gosto do povo, imagino que há uma lei de libertação dos indivíduos na História).
Rapidamente somos conduzidos à primeira questão que descrevemos a propósito de Aristóteles. Se assumimos a vontade de dispôr de si como paradigma da liberdade e fronteira da escravatura teremos de encontrar uma medida em que o cidadão encontra a sua vontade legitimamente coarctada. Qual a ordenação em que o homem obedece de forma legítima?

A única forma de liberdade possível é aquela que se funda num elemento extra-convencional, mas tal é impossível sem o reconhecimento de que a justa ordenação se encontra no poder que serve o bem e não ao pode “do homem pelo homem”, que se funda, em última análise. O problema não pode, portanto, estar no elemento Vontade, mas na capacidade de encontrar fora de si o lugar dos espaços onde o outro não tem direito a intervir. Só há liberdade onde há Justiça.

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segunda-feira, fevereiro 11, 2008

Redobrada Sugestão

Em viagem pelo país, tive ocasião de ouvir uma entrevista de Alexandre Honrado a Sílvia Espírito Santo, autora da biografia de Cecília Supico Pinto. Alexandre Honrado é licenciado em História e escritor de valia abrilina, não se negando ao disparate repetitivo e ao "fostes", "comestes" e "fizestes", aos microfones do Rádio Clube.
A entrevista com a autora do livro (que me foi recomendado por um amigo) foi um exemplo de uma mentalidade que se vai disseminando no rectângulo democrático. Primeiro insultou a convidada, ao afirmar que o seu livro seria um branqueamento (ou poderia ser lido como um tal) de algumas personalidades do Estado Novo. A autora respondeu à letra, afirmando basear-se no método analítico da historiografia. Logo a seguir perguntou se a imagem de Salazar não corria o risco de ficar humanizada na obra. Ora, isto é bastante estranho para um licenciado em História, exceptuando se o referido "escritor" achar que a História deve ser um reflexo daquilo que o político ou a vontade popular quer. Em vez de questionar se aquela face de Salazar seria verdadeira, perguntou se seria políticamente útil, o que é uma estranha posição científica para uma pessoa com formação na área. Se calhar licenciou-se em Karl Marx Stadt...
Ainda preocupado com os espíritos mais simples, o notável escritor/ideólogo, insurgiu-se contra a "caridadezinha" levada a cabo pelo Movimento Nacional Feminino. Quando lhe foi explicada dimensão da acção do Movimento, apressou-se a dizer que enquanto isso havia pessoas a receber a caridade havia gente no Tarrafal, como se os soldados e suas famílias que lutavam por Portugal, fossem o mesmo que os que pretendiam boicotar a sua acção. Uma lição para todos nós...
Por fim e muito custo, o locutor lá foi pedindo desculpa. É que ele não tinha lido o livro. Não tinha lido o livro, mas tinha dúvidas sobre as finalidades, o método, as personalidades lá inscritas. Um ensaio sobre como ser cábula e falar com certezas. A melhor recomendação que o livro poderia merecer...

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sexta-feira, fevereiro 08, 2008

Uma Leitura Séria

Miguel Castelo Branco sobre Mário Soares.

quinta-feira, fevereiro 07, 2008

A Gazeta da Restauração












Há um ano nasceu a GdR, um blogue pouco conhecido (não conta com gajas descascadas nas suas páginas) que eu não passo sem visitar. É uma Gazeta que conta o percurso de um jovem de regresso a uma ortodoxia onde nunca tinha estado e do estranhamento que este mundo causa aos que ousam crer no Outro.
Para além disto, o rapaz concede-me o prazer de ser meu amigo e de ter escrito esta magnífica descrição da passada sexta-feira que não posso deixar em branco.
Um grande abraço e longa vida à GdR.

PostModernism Generator

O amigo "Modernista" enviou-me esta excelente ligação para uma das invenções do século. Já se sabe, principalmente desde o "Sokal Affair" (mas antes disso para qualquer pessoa de recta intenção), que o pensamento pós-moderno se esconde num conjunto de hermetismos para esconder o profundo vazio que comporta. Agora há um sistema informático capaz de gerar a "treta" pós-moderna de forma aleatória, isto é, da mesma forma que os autores da "filosofia" crítica o fazem. Já não há razão para lerem o Arrastão, quando podem ler um artigo novo cada vez que acedem ao "site" e que faz exactamente o mesmo sentido que todo o que por lá se escreve. O sentido é apenas uma marca da narrativa individual, dizem eles...

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quarta-feira, fevereiro 06, 2008

No Púlpito Conservador








Estou entre o "Estado do Tempo" e o blogue de "Olavo de Carvalho", companhias que muito me honram, apesar da desproporcionalidade perante este "blogador". Fica o agradecimento ao Gilles de Araújo Ferreira pela inclusão nos links.

À Força no Panteão da Esquerda













Esta tentativa de transformação do Padre António Vieira em ícone de esquerda e pai do abolicionismo militante e pseudo-libertador, é um tributo fenomenal ao génio, mas dá uma pálida ideia de um pensamento pouco compatível com o simplismo das teorias dos nossos dias. Retiram-lhe a "portugalidade", o "cristianismo", a "pregação". Celebro o quarto centenário com a leitura da História do Futuro, enquanto o “portugaleco” o faz com musiquetas e “penas de índio”. Escolham.

O Vosso País














Dirijo-me aos moderados deste país. Aqueles que acreditam na tolerância como virtude, na democracia como princípio, na liberdade como finalidade da sociedade. Tenho apenas algumas coisas a perguntar-vos.

Em Portugal houve recentemente uma evocação da memória de um homem que morreu assassinado. Junto a ela uma manifestação de celebração dos seus assassinos (segundo a polícia, devidamente autorizada), onde, na via pública, se tentava perturbar a manifestação de pesar.
O que me dizem? É esta a liberdade que desejam, que tenta impedir e provocar uma acção de pesar por um homem assassinado, como se a morte fosse um bilhete para o “Prós e Contras”? É com esta gente que se querem sentar e debater os fundamentos de um país?

No vosso Parlamento o líder da maioria rejeita um voto de pesar por um chefe-de-estado assassinado. Diz o parlamentar que a República não pode ficar sob escrutínio, no que é uma clara admissão de culpa do regime e de inspiração nos princípios dos predecessores homicidas. A admissão de culpa de um parlamentar da República não suscita a indignação de ninguém. Será que a apologia de um homicídio já não suscita sequer uma reflexão moral por parte do homem-comum? Como fica a folha moral dos que em favor da ética da tolerância (geralmente para lhes garantir uma existência mais simples e descansada), se sentam com defensores de homicídios justificados apenas pelo facto de quererem outra ordem política?
O que se diria do monárquico que matasse um presidente pelo simples facto de defender a chefatura hereditária do Estado?

Na vossa Televisão os gurus e doutos homens do burgo explicam que não podemos julgar o homicídio segundo os nossos critérios, mas segundo os critérios da época. Eu julgava que Portugal ainda era em 1908, jurídica e moralmente, um país decente e cristão, calculava que o homicídio era algo moralmente reprovável na época. A não ser que o douto Rosas esteja a desculpar os homicidas com uma ausência de escrúpulos que é fruto da sua doença moral. O douto Rosas veio, ainda, desculpar o homicídio com a ampla adesão popular da população de Lisboa, ao mais boçal estilo dos tribunais populares do PREC. Flores na campa de homicidas são sinal de absolvição, para esta gente com que os vossos representantes se sentam no Parlamento.

Depois vem um dirigente da maçonaria dizer que Aquilino nunca havia sido maçon. Uma mentira evidente, desmentida dez segundos depois pelo filho de Aquilino, perante o olhar complacente dos espectadores. Ficámos a saber depois, pela suas vozes, que a Carbonária não era um braço armado da maçonaria. Fazem bem em confiar...

Se acham que a democracia é votar a licitude do homicídio, que a liberdade é fazer a apologia do crime, que a tolerância é permitir que se faça o mal e se minta deliberadamente, escolheram bem. Este é, de facto, o vosso país. O país dos socialistas, dos que vendem os avós ao progresso, dos que acham que a moral é uma questão de perspectiva.
Se acham que um ser moral tem de ser mais que isto, o que esperam para lhes dizer não? É isto que vocês são?

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A Perder














O principal combate desta blogosfera era ter e manter os melhores. Havia meia-dúzia de blogues em que se aprendia alguma coisa, em que a malta desta geração podia tomar contacto com um conjunto de memórias que não eram nossas e que nos passaram a preencher. Hoje há, com boa vontade, três blogues com essa qualidade e função.
A História dos Blogues faz-se de perdas, nestes dias em que não existe um horizonte, um escape, um caminho a seguir depois disto. As portas vão sendo fechadas e aos que ficam resta perder graciosamente. "Beautiful Losers", como dizia o outro...
Um grande abraço ao Je Maintiendrai.