segunda-feira, dezembro 24, 2007

Sobre Dádivas

Com um abraço a todos os amigos e leitores...



Sufjan Stevens "He Woke Me Up Again"

He was, he was in the churchyard.
My father was in the first part.
He came, he came to my bedroom but I was asleep.
And he woke me up again to say:

Halle Halle Hallelujah
Holy Holy is the sound.
And I hope, I hope you are tired out.
And I know, I know there is joy endowed.
But I was asleep,
And he woke me up again,
And he woke me up again to say...

Hold on, hold on to your old ways
Or put off, put off every old face.
And I know, I know you are changed out.
And I hope, I hope you're arranged out.
But I'm still asleep
And you woke me up again.
And I'm still asleep
But you woke me up to leave

quarta-feira, dezembro 19, 2007

As Electividades

Interessante artigo de Mário Casa-Nova Martins na Alameda Digital sobre a Monarquia Portuguesa e a Restauração. Leva-nos a assuntos que já aqui tratámos e aos terrenos pantanosos da eleição de monarcas.
Parece-me ser apenas de salientar, sem entrar em profundidade no assunto, que se ao "contentinho" povo português, que clamava pelo domínio espanhol (justificando-se com as dificuldades da independência e seus custos, no que é um precursor da atitude socialista e entreguista portuguesa) fosse assistido o direito de escolher o seu Rei, não só não teríamos nada para reinvidicar a independência (porque o direito constituinte e as leis antigas poderiam ser removidas pelo acto político popular), como ainda se abra a porta para ver os Bourbons, instalados no Estoril pela desagregação espanhola, com nacionalidade e direito ao trono de Portugal. Um flagelo semelhante à República.

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Com 58 Minutos de Atraso...

Dou os parabéns ao César Augusto pelos quatro anos de Dragoscópio. O blogue que me parece ter sido o melhor do ano que quase finda e que agora se cumpre com o nome que lhe havia sido predestinado.

segunda-feira, dezembro 17, 2007

Nº10





Na presente edição da Alameda Digital parece-me ser de destacar o artigo de Carlos Bobone sobre os críticos da Modernidade, a denúncia da gnose tradicionalista por Manuel Azinhal e esta excelente (como habitual) análise do problema do Iraque por Abel Morais.
Como ainda só li o tema de capa e o internacional, ainda espero voltar à revista aqui no blogue.
E agora que se fala em conservadorismos...

quarta-feira, dezembro 12, 2007

De Passagem
















Durante muito tempo tive por certo que os partidos estavam deslocados no tempo, que não representavam a verdadeira situação política e ideias políticas dos portugueses e da generalidade dos povos europeus. Vejo que estava errado. Serviu a vinda do Modernista à blogosfera para me alertar para o ledo engano. O liberalismo português não está representado politicamente porque não existe, não tem uma posição sobre os problemas, porque não aceita como imperativos alguns elementos de inclusão e exclusão no seu seio que lhe poderiam conferir alguma relevância.
O papel da teorização seria aqui fundamental, mas tal empresa não parece ser digna da generalidade dos nossos liberais. O requisito para se ser liberal em Portugal é repetir um conjunto de frases lacónicas sobre as liberdades individuais, independentemente do significado de que estas sejam animadas, gostar da democracia, ainda que esta esteja desenhada para ir contra a liberdade individual e proceder a um conjunto de vénias e salamaleques a alguns bloguistas da nossa praça. É por isso que é particularmente bizarra a consternação perante os insultos de que foi alvo o André Azevedo Alves, vinda de membros dos seus próprios projectos. Quando se juntam num mesmo projecto pessoas que acreditam em coisas que são opostas, é tempo de pensar no que constitui o núcleo de um projecto.

Continuo na minha em relação ao liberalismo português. Não tenho qualquer interesse pelo liberalismo ou por qualquer dos seus pressupostos. Mais grave que isso, quando os liberais, que temos por aí às dezenas, falam sobre o “Estado Mínimo” e depois fazem a apologia de uma ideologia que pode escolher, a seu bel-prazer, o tamanho e as obrigações do Estado, como se tal fosse uma questão de preferência ou escolha pessoal, prestam um belo serviço aos que afirmam ser seus adversários políticos. Talvez tenham demasiada vontade de estar com o mundo... O que noutros tempos poderia roçar a virtude.

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terça-feira, dezembro 11, 2007

Liberalismo e Soberania














Na sequência do estimulante debate decorrido nesta casa, o Rui Albuquerque apresentou um texto interessante sobre o Constitucionalismo anterior à Modernidade, em que é apresentada a relação entre o liberalismo e a soberania.
Até parece má-vontade, mas discordo frontalmente do texto do Rui Albuquerque.

O liberalismo pode ser uma doutrina de limitação do Poder, mas pode não o ser. Na obra de Rousseau, p.ex., a soberania popular é ilimitada. Não encontra limites ao soberano, porque o povo é o próprio soberano e porque só uma ordenação política que provenha da vontade (e não de uma justificação superior ou jusnaturalista) é válida. Pode o liberalismo sobreviver sem o legado rousseauniano? É evidente que sim, mas deixaria de se parecer com o liberalismo que temos hoje em dia e que postula, democraticamente, que o indivíduo enquanto membro da sociedade não é possuidor de direitos sobre a ordenação jurídica da sua comunidade. Ao deixar cair a “soberania popular” da sua teorização, o liberalismo teria de entrar em confronto com o dogma democrático do nosso tempo. Algo a que os nossos “politicamente incorrectos” liberais não podem aceder, sob pena de não poderem falar com os seus amigos socialistas.

Em segundo lugar e num plano mais teórico, a ideia de que o “primus inter pares” respresenta uma máxima política instituidora de qualquer medida de partilha de Poder entre o Rei e os súbditos é apenas uma interpretação liberal das posições da filosofia clássica. Tal não passava pela cabeça de qualquer soberano (já lá vamos) medieval. O “primus inter pares” é apenas a consagração titulada de uma mesma natureza entre governante e governados, que se consubtancia no Bem Comum. Não tivesse o Rei uma paridade natural e cristã de natureza com os súbditos e poderia governar da forma que entendesse e sem ter com eles a preocupação de zelar pelos seus interesses. Os grandes tiranos do Mundo Antigo, por exemplo, governavam como semi-deuses, afirmando-se únicos detentores da capacidade de determinar o que era o bem e a moralidade, achando-se no direito de governar contra os interesses do povo (que não coincidem com a sua Vontade), pela sua diferença de género. O mesmo se passou na Era Moderna, quando se justificou a governação de Hitler não em princípios morais ou na sua adequação a uma norma de benevolência externa, mas na expressão de um Génio Racial e Nacional que seria incompreensível para todos menos para o Intérprete da Vontade.
O Rei medieval governava os súbditos e tinha, em quase todos os casos, um Poder incontestado, mas estruturado por um conjunto de princípios morais e políticos que lhes eram externos, por antecedência a Constituição, por superioridade a Fé Cristã.

Isto leva-nos à questão da Soberania. Se é certo que o termo já existia, é claro que a soberania de Bodin diverge bastante da ideia de Beaumanoir num pressuposto básico. Na teoria medieval não existe Soberania, porque toda a constituição de uma estrutura de auto-governo parte do pressuposta da comunidade no seio espiritual da Igreja. O auto-governo só é lícito quando parte da autoridade espiritual da Igreja. Isto não quer dizer que não se organize da forma que entenda, mas que essa ordenação deve ser realizada, para ser lícita, sem contrariar os pressupostos cristãos de que a Igreja é destinatária. Daí a importância do reconhecimento da vassalagem directa do Papa para a formação de um Reino.
A formulação de Bodin é bastante diferente da medieval, por considerar que cada unidade política tem o direito intrínseco de se ordenar da forma que o soberano bem entender. Se o soberano decidir por um Estado que vá contra a moral, ou se o soberano achar que tem poder para decidir o que é a moral e a verdade, está no seu direito e não existe qualquer forma de a contrariar. Em Bodin a religião do príncipe (o tal primeiro entre iguais, aqui também) determina a religião do Povo. Este é o princípio ordenador do sistema de Estados Vestefaliano, que controlou os conflitos religiosos europeus, mas que os transformou em guerras civis permanentes e que justificou os absolutismos régios que geraram tantos liberalismos.

Os liberalismos descendem desta ideia de que as populações (agora tornadas soberanas), podem por seu justo título, dispôr da possibilidade de se auto-constituírem sem apelo ou ligação a um princípio que seja mais elevado do que o próprio. Não são limitadores da soberania, mas defensores da sua própria soberania.
Neste caso não é apenas a facção rousseauniana do liberalismo que incorre nesse erro, mas o próprio constitucionalismo britânico de “oitocentos”, ao elaborar interpretações da constituição britânica onde estavam incluídos esses direitos de auto-determinação moral do povo, que iam ao auge de ver doutrina eclesiástica “passada” pelo Parlamento.

A análise do idílio liberal britânico fica para outro dia, que virá breve.

Estados de Natureza











Existem alguns pontos da filosofia moderna que se mostram como centrais pela simples forma como não são auto-analisáveis. O Estado de Natureza é um desses pontos genéricos que gerou mais propaganda do que discussão, tendo sido, por muitos definido como o momento de nascimento da moderna filosofia política.
Qualquer análise minimamente atenta da filosofia que precede a Modernidade esbate, porém, esta ideia. Em Platão e Aristóteles as fronteiros do Político são bastante mais amplas, mas muito mais definidas que na Idade Moderna, trazendo consigo uma análise ampla e abrangente sobre o elemento não-político na vida comum dos Homens. Em Aristóteles não existe apenas um Estado de Natureza. Existe um sempre que não nos encontremos numa situação política em que a suma ordenação da comunidade seja regida pelo Bem Comum (a característica da Política, propriamente dita), mas há uma miríade de Estados de Natureza consoante as ordenações sociais, familiares, económicas que analisamos e a que correspondem diversas patologias. A divinização de um homem, a sacralização do contratual, a afirmação extrema da subjectividade, são apenas algumas dessas patologias que impossibilitam que seja o Bem Comunitário a determinar a ordenação da vida política e que são as mais vulgares no mundo e filosofia modernas.

A grande novidade do Estado de Natureza Moderno, não é a possibilidade deste estabelecer as premissas que vão realizar a vida comunitária, uma vez que o elemento que precede o Homem, Deus, já presidia à formação dos laços comunitários, na filosofia clássica e medieval. A grande novidade é que este espaço se tornou vazio, estando à mercê de qualquer elaboração antropológica mais ou menos realista, de qualquer obsessão mais espirituosa (Marsílio e a obsessão da discórdia, Hobbes e a obsessão da desordem, Locke e a obsessão da propriedade e direitos a esta inerentes). Enquanto que na filosofia clássica e medieval se ia encontrando o Homem pela revelação do Mundo, na filosofia Moderna o Homem é inexistente por ele próprio determinar o seu próprio conteúdo, explicando os seus desejos através de premissas que lhe seriam, supostamente, externas.

Daí emerge como consequência lógica o problema da “politicidade” do Contrato Social. Numa comunidade em que a vontade é o elemento constitutivo (Hobbes, p.ex., ainda que seja uma vontade presumida na psiché humana) a contractualidade não se pode encontrar ordenada por qualquer elemento que seja comum ou externo às partes. Onde essa for a característica do Político, o Contracto Social, por muito difundido ou generalizado que seja, nunca ganhará um pendor de realidade política, mas apenas se constituirá como uma realidade social de importância ou dimensão política.

sexta-feira, dezembro 07, 2007

Constituições e a Paz Regicida











Caro Rui,

Não esperava tanta acidez. Então no que toca a mandar-me fazer leituras (de Hayek e Popper) parece-me de uma soberba desproporcionada. Até parece que são alguns autores exóticos...
Logo a mim que tanto gostei do "post" sobre a forma como na blogosfera ninguém consegue discutir sem recorrer ao insulto a a argumentações insultuosas... Adiante.

Devo dizer-lhe que fiquei abismado com as suas respostas. Se acha que é curta a ligação entre Burke, deMaistre e Maurras, bem como Haller, Muller ou António Sardinha, não posso fazer nada. É claro que não vou responder na mesma moeda, recomendando leituras de Sternhell, Pappin, Stanlis ou qualquer dos que não embarcam no Burke "maquiavélico-de-trazer-por-casa" da tradição "whig" e que nunca conseguiram explicar porque é que Burke via na Revolução Francesa "o mal encarnado".

Quanto à ideologia e a Oakeshott a questão é de uma simplicidade atroz. Afirmar que uma sociedade deve ser democrática e encontrar nisso elemento de inclusão ou exclusão de um argumento é ideológico e o predeterminar da discussão a uma finalidade, o que corresponde, precisamente ao erro do racionalismo e dos apriorismos que são denunciados no "Rationalism in Politics" e no “Politics of Faith, Politics of Skepticism” (e, para além disso, refutados em todo a obra de Burke, mas isso fica para outra ocasião).
O que não é de forma nenhuma aceitável é que o Rui apresente como justificação para a teoria de Oakeshott as teorias de Hayek e Popper.

Quanto à questão do constitucionalismo, é também muito claro que a concepção de Constituição de Burke e Oakeshott é claramente oposta à concepção moderna. Tanto Oakeshott como Burke defendem Constituições não escritas, seguindo o conselho de Aristóteles, que se consubstanciou na tradição britânica. Burke critica toda a Constituição que tenha de ser aprovada, pelo simples facto de que isto implicaria que a sociedade poderia existir sem os seus princípios essenciais. Uma sociedade que escolhe os seus princípios segundo a sua vontade é uma sociedade que não tem liberdade, porque tem a possibilidade de escolher a servidão. Ao escolher a Vontade como seu fundamento, ao invés de princípios imutáveis, abre-se a porta a outras vontades, nomeadamente a Vontade de possuir a propriedade dos outros, constitutiva do Socialismo. Não perceber isto na obra de Burke, é não compreender o interesse da obra de Burke, tanto para liberais (compreender os limites do liberalismo) como para conservadores (compreendendo o lugar dos princípios na estrutura da sociedade). Esta questão não se verifica apenas nos escritos sobre a Revolução Francesa de Burke, mas ao longo de todos os escritos sobre a Índia, Irlanda e América. E é nítido que a posição Constitucional de Burke é mais aproximada da do miguelismo não apenas por esse facto, mas porque, para além disso, consagra o lugar da Religião como elemento essencial da Constituição, consagra o Fundamento Moral da Comunidade.

Quanto a Oakeshott a proximidade entre a concepção de Constituição do miguelismo ainda é mais próxima, mas por razões diferentes. Em Oakeshott qualquer Constituição elaborada com um propósito, seja ele democrático, liberal ou outro, é uma excrescência, porque só pode emergir ordem através das interacções das várias partes da sociedade, como foi observado anteriormente. Só uma constituição “crescida” e não “criada” pode ser oakeshottiana, porque só esta ordenação pode ser, de facto “política” (ser um processo de negociação espontânea e não orientada) e é também por isso que uma constituição nunca pode ser analisada (da mesma forma que na teoria hayekiana o mercado nunca pode ser compreendido, por não ter um desígnio e ser uma ordem espontânea).

Lamento que o RA não tenha percebido o que eu escrevi sobre a Constituição. Mas também não vale a pena ofender e mandar alguém para sítio tão feio (o 1º ano de Direito!!!). Estranho apenas a forma como o RA parece imputar aos miguelistas a inexistência de uma Constituição, quase tanto como o desconhecimento de que os burkeanos portugueses da época se encontrarem ao lado da causa de D. Miguel.

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quinta-feira, dezembro 06, 2007

Uma Ideologia Conservadora?














O liberalismo português não está a mudar. Sempre foi assim. Os liberais portugueses, em virtude do seu catolicismo residual, sempre souberam que o liberalismo ou se fundamenta em algo mais profundo, ou ruma ao socialismo e jacobinismo mais profundos. O apelo do Rui Albuquerque aos conservadores e ao renascimento de uma nova (velha de várias décadas) fundamentação do liberalismo é apenas mais um episódio dessa tentativa ideológica de secar o terreno político e epistémico do pensamento à direita, em favor dos liberais.
A base é a já batida ideia de que o problema dos conservadores é não se terem modernizado. Para esse peditório juntam-se um conjunto de argumentos que, além de não serem verdadeiros, levantam um conjunto de problemas que são interessantes de analisar.
Basta ver as leituras imputadas aos conservadores portugueses para nos apercebermos do núcleo do problema. O RA não gosta das leituras de Maurras e de Maistre, mas acha que Burke e Oakeshott são leituras sadias. Descontando o facto de os primeiros autores se terem referido a Burke como “o pai de todas as nossas convicções” e o “único homem com clarividência para compreender a Revolução”, respectivamente, seria interessante saber porque razão Oakeshott e Burke são leituras mais sadias. Eu não sei, mas arrisco... Calculo que o RA considere que estas influências sejam perniciosas, mas mais interessante é saber porque é que assim o são. Ou seja, o RA acha mal que estas sejam fontes do conservadorismo, pelas razões aduzidas no início do texto, isto é, porque não são democráticas e liberais. Ora, se esta não é uma premissa ideológica (escolher o liberalismo e a democracia e depois escolher o que se deseja) não sei o que o será! Tudo certo até aqui, podem dizer os mais incautos, o RA pode ser ideológico, mas mesmo assim é um defensor do conservadorismo de Burke e Oakeshott. Tal ideia está completamente errada, infelizmente. Se há legado que Oakeshott deixou no conservadorismo, foi a oposição a este conjunto de elementos arbitrários e insondáveis aceites pelo Homem, como a ideologia ou a “boa nova” democrática. Para Oakeshott a democracia era o que era (uma forma hobbesiana de resolução de problemas de forma pacífica), mas nunca seria um ponto de partida ou uma finalidade da sociedade.
O ponto torna-se mais grave ainda com a afirmação de que os Miguelistas seriam opostos a uma constituição, quando na verdade estes defendiam uma concepção constitucional semelhante à de Burke e Oakeshott, a de que ninguém têm o direito de impôr uma Constituição. A Constituição, como as premissas da sociedade (em Oakeshott) não são analisáveis. São, simplesmente.
Não se percebe muito bem como se pode fazer a apologia do liberalismo ideológico-democrático e do Constitucionalismo Liberal a partir do seu maior opositor, da pessoa que defendeu que a liberdade só existe em sociedades em que o Povo não tem capacidade para definir os princípios da sua organização, ou como se pode fazer do autor de “Rationalism in Politics” um democrata ideológico.
A imagem que me vem à cabeça é a dos deputados católicos do liberalismo monárquico a fazerem vénias ao busto de Bentham...

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quarta-feira, dezembro 05, 2007

E Parabéns ao Jorge Ferreira por Quatro Anos de TomarPartido

A Moral da Boa Vida

Dos argumentos de Boavida contra Salazar houve um especialmente curioso e de sentido profundamente moral. Dizia a jornalista que “para Salazar, a caridade acabava em São Bento”, insurgindo-se contra o suplemento ao almoço dado à protegida Micas. Se Salazar lhe dava um suplemento era porque reconhecia que a alimentação era insuficiente, tendo, calcula-se, obrigação de passar a incluir uma refeição mais completa na dieta fornecida pela escola. É claro que o facto da inclusão da sopa na escola pública ter sido medida sua é completamente irrevelevante, assim como o são as graves dificuldades financeiras que o Estado atravessou ao longo da primeira metade do século XX e o facto de na maior parte dos países da Europa do Sul, num período de grave crise económica, a alimentação não ser muito mais substancial que a verificada em Portugal. Em suma, as pessoas passavam fome porque Salazar queria e não porque a Europa e Portugal passavam um período de dificuldades e guerra.
Há aqui, evidentemente, um grave erro moral. A ideia de que a alimentação dada pelo Estado deveria ser a única e de que as famílias não poderiam mandar um complemento à refeição, é fruto de uma mentalidade igualitária e socializante que é fácil de localizar.
Confundir a ajuda estatal (um incentivo à necessária educação) com o socialismo é um erro grave. Mas ainda estou para saber a opinião dos jornalistas da SIC sobre a alimentação dos países socialistas da mesma época, onde havia tanto igualitarismo e caridade universal no prato vazio.

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segunda-feira, dezembro 03, 2007

A Vingança da Suburbanidade












A SIC mostrou uma peça sobre a Dona Maria da Conceição Rita e a sua relação com Salazar, tentando, alegadamente, mostrar Salazar na intimidade, através da relação pessoal com aqueles que se tornaram a sua família afectiva. Não vale sequer a pena aprofundar a condescendência com que todo o trabalho é realizado, mostrando a entrevistada como elemento parcial na História de Portugal por ter privado com Salazar, o que a impediria de ter uma visão objectiva. Resta saber se numa democracia não somos todos parciais... Mais uma pergunta que fica por responder.
Ressalta a olho nú o “mantra” incessante do provincianismo de Salazar. O suburbano não perdoa que um governante lhe seja superior. Fosse Salazar um daqueles anti-democratas como Fidel ou Ceaucescu, que viveram vidas sumptuosas às custas do erário e teria a simpatia da jornalista e da audiência média da SIC. Salazar, porém, recusou a vida de ostentação, que é o anseio de todo o aspirante a burguês. Não obteve por isso o título de “urbano”, recebendo o seu desprezo.
Notável a forma como a austeridade e a poupança são classificadas como características provincianas. Não se percebe se, num país que era pobre, se pedia que houvesse fausto, que a economia doméstica não fosse rigorosamente controlada, que o chefe-de-governo não cumprisse os sacrifícios que pedia aos governados. Menos ainda se percebe a crítica numa sociedade industrializada e moderna, em que somos massacrados com mensagens de poupança de recursos para juntar papelinhos, plásticos e vidrinhos nas nossas casas. No Portugal de Salazar poupava-se, e Salazar poupava, para viver com o que se era capaz de produzir e comprar. Hoje anda tudo à cata de papelinhos e garrafas de plástico para ajudar o ambiente (essa tão compreensível entidade). O que ninguém imagina é qualquer um dos nossos governantes a separar o seu lixinho. Têm chefes na medida das suas almas...
De grande interesse sociológico foi a forma como a jornalista Boavida (nem de propósito se lhe arranjava um nome destes) se referia ao governante como “o Salazar”. A senhora jornalista não tem culpa de não ter sido educada. Se o tivesse sido, saberia que quando se trabalha em jornalismo ou qualquer parte da vida pública, não são “doutores” os de quem se gosta e “os” os de que se não gosta. A educação comporta um conjunto de valores que lhe são arbitrários, especialmente perante as pessoas mais velhas. Gostaria de ver a jornalista a entrevistar alguém daquela família obesa do Campo Grande e questionando “O Soares era afectuoso consigo?”. A boa educação selectiva é mais uma daquelas características-tipo da superioridade que o suburbano considera ter em relação aos seus avós que andavam a esgravatar a terra.
Os avós não sabiam o que era uma hemorragia. Os netos que já vivem nos subúrbios acham-se superiores e dizem, numa peça jornalística para todo o país, que Salazar sofreu uma “hemorregia”. Os avós trabalhavam com afinco e seriedade. Eles enviam para o ar leituras de poemas em que faltam versos.
É o jornalismo direccionado pela ideologia no seu esplendor, que já rendeu à senhora jornalista prémios por suscitar tolerância, mas não pela arte de noticiar a verdade.
Calculo que venha aí mais um prémio a caminho, porque estes ganham sempre.

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Quem Responde?

Perplexidades sobre o Liberalismo Autóctone, pelo Manuel Azinhal.

Minima Politica

É de estranhar quando os partidários de uma agremiação política criticam os outros partidos por não deixarem neles entrar quem quer. Eles próprios deveriam ter um conjunto de pressupostos que deveriam ser “jurados” por todos os partidários e que por sua honra teriam de defender. A importância disto não é apenas simbólica, mas a possibilidade de traçar a linha entre um partido sem núcleo de crenças e um que está provido das mesmas.
Não acredito que a Nova Democracia tenha um núcleo de crenças que seja mais do que meia-dúzia de banalidades sobre o liberalismo e a nação. Mas o que é mais estranho nisto tudo é que existam pessoas de outros partidos tão incomodadas com o facto, esquecendo que qualquer comunidade implica partilha e a aceitação de pressupostos, dos quais eles próprios não podem prescindir, sob pena de se poderem tornar o oposto do que defender.

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sábado, dezembro 01, 2007